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Júlia Kastrup
Júlia Kastrup

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Um "quase-diagnóstico" como muleta

Mais um texto quase advindo de um tweet. Dessa vez, pulei o tweet e vim direto pra cá, porque queria externalizar um pouco como venho me sentindo desde que comecei a terapia, e como um possível diagnóstico de TDA tem mudado a minha vida.

Comecei a terapia há alguns meses, pois "andava muito à flor da pele". Qualquer mínima discussão ou discordância era suficiente para me fazer chorar. Na primeira sessão, contei o que me levava até ali, e como tinham sido as minhas outras tentativas de terapia.

A terapeuta ficou interessada em saber por que eu tinha sido encaminhada para terapia com 9 anos. Contei que tinha sido a primeira da turminha a começar a ler, mas que andava desatenta. Contei também que a recomendação do colégio tinha sido psicoterapia e kumon, justamente pra melhorar a concentração e atenção.

Ao longo das nossas sessões, ela perguntou se eu já tinha desconfiado de TDAH. Fiquei apreensiva, porque sei como essa doença é superdiagnosticada. Falei que já tinha pensado nisso "mas tinha conseguido passar no vestibular e terminar o colégio e a faculdade". Ela me explicou um pouco mais sobre a condição e me passou um questionário. Me explicou que o questionário por si só não era o suficiente para diagnosticar o transtorno, mesmo que eu tenha "gabaritado" a parte atencional.

Passei algumas semanas sofrendo com esse possível diagnóstico. Tinha, intimamente, dois sentimentos:
1) o medo de precisar tomar remédio, embora ela tenha me dito que nem sempre a medicação é necessária;
2) o medo de me apoiar num diagnóstico para justificar qualquer falta de atenção minha. e aí nunca mais tentar nada sem que estivesse medicada porque "eu sabia que não conseguiria". tipo aquelas pessoas que dizem que são ciumentas porque são escorpianas, sabe? eu morria de medo de usar esse transtorno como muleta.

Eu nunca falei pra ninguém sobre esse segundo ponto, mas era o que eu mais pensava. Mesmo sem falar pra terapeuta sobre isso, fomos trabalhando a minha autocobrança, e ela foi me falando sobre o conceito de autocompaixão. Eu dizia que eu me perdoava demais, ela dizia que eu me cobrava demais. "Larga o chicotinho", ela ainda diz.

Bom, quanto mais vamos conversando, mais próximas estamos de realmente firmar o diagnóstico no transtorno de atenção. No entanto, diferentemente do que eu imaginava, eu tenho usado o 'quase-diagnóstico' pra me perdoar positivamente, e não pra desistir.

Essa semana, eu concluí um curso on-line. Parece bobeira, mas eu nunca concluo nenhum curso, por menor que seja. Então foi bem simbólico para mim.

Durante o curso, eu tive as mesmas dificuldades de sempre, mas, em vez de desistir, eu me dei um tempinho, aceitei que o meu ciclo atencional é curto. Lancei mão de alguns artifícios. Pausei quando minha atenção voou. Fui olhar o twitter sem culpa. E voltei. Fiz isso várias vezes, mas, diferentemente de todas as outras vezes, em que eu pensava em como eu era burra e preguiçosa, dessa vez eu pensei "bom, é. o meu ritmo pode ser diferente do ritmo das outras pessoas mesmo. mas devagar e sempre, vamo lá.". Foi quando eu concluí essa etapa do curso que eu entendi esse lance da autocompaixão que a minha terapeuta vive falando. Talvez o "quase-diagnóstico" esteja de fato sendo uma muleta, mas uma que cumpre o seu papel: o de ajudar a andar quem tinha dificuldade.

Eu ainda não sei se realmente tenho o tal do transtorno de atenção. Acredito que sim. Não sei se vou precisar tomar remédio pra sempre. Espero que não. Mas as coisas estão melhorando.

Como sou muito ruim em terminar textos - e como percebi que tem gente que realmente lê o que eu escrevo, queria recomendar um vídeo para quem se identificou com isso que eu falei de autocompaixão. Procurem palestras da Brené Brown no Netflix e no Youtube :)

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