Todo grande projeto de software começa com uma fagulha, uma ideia, um problema a resolver, uma vontade de construir algo que faça sentido.
Mas entre essa fagulha e o produto final existe um território perigoso: a falta de clareza nos requisitos.
🧭 De uma Ideia Vaga a um Plano Sólido
Se você já começou um projeto com uma frase do tipo "precisa ser fácil de usar" ou "tem que ser rápido" sabe exatamente do que estou falando.
É como receber a missão de construir uma casa sem planta, apenas com um "dá um jeito!".
Esse tipo de ambiguidade é uma das principais razões pelas quais projetos estouram orçamentos, atrasam entregas e entregam produtos que ninguém realmente precisa.
A verdade é simples: escrever requisitos não é montar uma lista de tarefas, é um disciplina de engenharia.
Quando feita corretamente, ela evita retrabalho, frustração e desperdício.
No decorrer do artigo, vamos explorar 4 verdades surpreendentes sobre engenharia de requisitos, extraídas de padrões internacionais e práticas adotadas por grandes empresas.
1. 🚫 Um “Bom” Requisito Não É um Desejo — É um Contrato Verificável
Muitos documentos de requisitos estão cheios de frases bonitas, mas inúteis:
- "O sistema deve ser amigável"
- "O sistema precisa ser rápido"
- "O sistema deve funcionar bem"
Tudo isso soa bem, mas… como você prova que alcançou isso?
Você não prova. E é aí que começam as discussões e decepções.
Segundo o IEEE 830, um bom requisito precisa ter características essenciais:
- Não ambíguo: todos interpretam da mesma forma
- Completo: cobre todos os comportamentos necessários
- Verificável: pode ser testado de forma objetiva
- Consistente: não entra em conflito com outros requisitos
- Modificável: pode ser atualizado com facilidade
- Rastreável: é possível identificar sua origem e propósito
O ponto central é a verificabilidade.
Um requisito forte é aquele que pode ser comprovado com testes reais.
Exemplo ruim:
"O sistema deve ser rápido"
Exemplo bom:
"O sistema deve retornar resultados em até 2 segundos após o envio da consulta"
Essa precisão não é burocracia, é clareza compartilhada.
É o que evita mal-entendidos, retrabalhos e discussões intermináveis.
2. 🤝 Requisitos Não São uma Lista de Pedidos — São uma Negociação
Existe um mito perigoso no mercado:
"O cliente manda a lista e a equipe de desenvolvimento executa."
Na prática, requisitos são construídos em conjunto, por meio de negociação entre especialistas.
De acordo com o padrão ISO/IEC/IEEE 29148, a engenharia de requisitos media o diálogo entre dois mundos:
- O cliente, que entende o problema
- O fornecedor (dev/team), que entende as soluções possíveis
Nenhum dos dois consegue escrever bons requisitos sozinho.
O resultado só é realmente valioso quando ambos negociam significado e viabilidade.
"Clientes normalmente não entendem o suficiente sobre desenvolvimento de software…
Fornecedores normalmente não entendem o suficiente sobre o negócio do cliente." — ISO/IEC/IEEE 29148 (traduzido)
Requisitos bem definidos nascem desse equilíbrio: do encontro entre visão do negócio e realidade técnica.
3. 🧪 Às Vezes Você Cria um Protótipo Para Descobrir os Requisitos
Parece contraintuitivo, mas é verdade:
Você nem sempre define requisitos antes de construir, às vezes, você os descobre enquanto constrói.
Prototipar não é só uma etapa de design, é uma poderosa ferramenta de descoberta.
Com protótipos, ideias abstratas ganham forma, permitindo que as pessoas toquem, vejam e reajam ao que está sendo proposto.
E quanto mais concreto for o feedback, mais claros ficam os requisitos.
Existem diferentes níveis de fidelidade:
- Baixa fidelidade: rascunhos rápidos no papel, para explorar ideias iniciais
- Média fidelidade: wireframes que mostram o fluxo e a estrutura
- Alta fidelidade: mockups interativos, quase idênticos ao produto final.
"Um cliente tem muito mais facilidade de reagir a um protótipo do que a um documento de requisitos."
Em resumo:
Pare de discutir hipóteses, mostre algo, mesmo que imperfeito. O protótipo vira catalisador para feedback real e decisões mais rápidas.
4. 🌳 Requisitos Têm uma Árvore Genealógica
Muita gente fala "o documento de requisitos", como se fosse um único arquivo.
Mas em um projeto bem estruturado, existe uma cadeia de documentos, cada um com um propósito diferente.
Segundo o ISO/IEC/IEEE 29148, essa hierarquia é assim:
1. Business Requirements Specification (BRS)
O "por quê" do projeto (objetivos e motivações do negócio)
2. Stakeholder Requirements Specification (StRS)
Traduz o BRS em necessidades específicas de cada tipo de usuário ou parte interessada.
3. System Requirements Specification (SyRS)
Define os requisitos técnicos do sistema como um todo (software, hardware, pessoas…).
4. Software Requirements Specification (SRS)
Detalha o comportamento esperado apenas do software. É o contrato com os devs.
Essa estrutura cria uma cadeia de rastreabilidade, pois cada linha de código pode ser ligada a um objetivo real.
Nada é feito "porque sim".
🧱 Construa a Fundação Antes da Casa
A engenheira de software Danielle Teixeira resume com perfeição:
"Propõe-se construir as fundações de uma casa antes de entrar nela — para que ela não desabe"
E o mesmo vale para software.
Antes de escrever uma única linha de código, é preciso construir um entendimento sólido e compartilhado sobre o que deve ser feito, e por quê.
Da próxima vez que alguém disser "faz essa feature aqui rapidinho", não abra o editor de código ainda.
Pergunte.
Negocie.
Prototipe.
E transforme aquela ideia vaga em um plano verificável e colaborativo.
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