Quero continuar uma conversa sobre aprendizado, cognição e como o uso da IA pode impactar esse processo. No último post eu estava contando sobre como tenho me sentido ao estudar com papel e caneta, e como eu misturo a IA nessa dinâmica.
Tenho visto Miguel Nicolelis se posicionar sobre o tema de forma bastante apocalíptica, o que me despertou curiosidade e um certo incômodo. Ele fala sobre os efeitos irreversíveis que o uso da IA pode ter no nosso cérebro. Pesado, né? Mas o que me chamou atenção foi que ele citou um estudo do MIT que analisou a atividade cerebral de estudantes usando ChatGPT pra escrever redações.
O estudo indica que acontece menos engajamento cerebral, pior retenção de conteúdo e textos menos originais. Mesmo depois de pararem de usar o ChatGPT, os participantes continuaram com níveis baixos de atividade mental.
Além desse estudo do MIT, encontrei também uma revisão publicada na MDPI sobre como o uso frequente de IA está associado à diminuição do pensamento crítico. Ela explica que ao delegarmos tarefas cognitivas para máquinas, corremos o risco de **enfraquecer processos **como análise e memória, o que estao chamando de 'cognitive offloading'.
Outro estudo interessante foi publicado na revista Nature Machine Intelligence. Pesquisadores observaram que grandes modelos de linguagem, como o ChatGPT e o Gemini, exibem padrões de raciocínio surpreendentemente parecidos com os do cérebro humano. Isso levanta a pergunta: estamos replicando cognição ou substituindo o processo com algo mais superficial?
Cérebro preguiçoso?
Esses estudos convergem pra um ponto interessante: o nosso processo de cognição depende de esforço. Aprender exige erro, memória, repetição, reinterpretação. Cortar caminho com uma IA pode até parecer produtivo, mas se isso vira hábito, a gente terceiriza justamente o que mais importa: o pensamento. "Ah, mas economiza a memória..." Pois é. Já vimos isso acontecer com o uso do celular, e você provavelmente esqueceu completamente o número do seu contato de emergência, porque passou a depender de uma tecnologia auxiliar para lembrar por você.
E não estou falando de virar ludita ou abandonar as ferramentas.
Até por que, o profissional que não está usando IA, vai deixar de lado também suas vantagens, que são muitas, mas ficam pra outro artigo. Eu uso IA todos os dias, mas tenho tentado ser mais intencional: ela roteriza o meu estudo, tira dúvidas, me propõe exercícios... enfim, é uma excelente ferramenta de aprendizado. Mas se automatizar as tarefas chatas se tornar maior que isso, ela vai por um caminho que eu não saberei reproduzir.
Porque no fim, o aprendizado real não é sobre encontrar a resposta certa, mas sobre formar conexões no nosso próprio cérebro. Gosto da metáfora de que o cérebro é uma mata fechada: cada nova informação que a gente compreende é como abrir uma trilha ali no meio. No começo é difícil, o mato é alto, a passagem é lenta. Mas à medida que a gente passa por aquele caminho de novo, com prática, com revisões, com associações, a trilha vai ficando mais visível, mais firme, mais fácil de ser percorrida. É assim que o conhecimento se consolida: com passos repetidos que transformam esforço em fluência.
Quero, em outro momento, detalhar melhor quais ferramentas uso no meu processo de estudo e de que forma, mas antes achei importante trazer os porquês dessa escolha mais cuidadosa e menos automática.
Como contraponto, vale mencionar o estudo Calculating Cognitive Augmentation: A Case Study, publicado no arXiv. Nele, pesquisadores demonstraram que participantes que resolveram problemas com o auxílio de IA tiveram um aumento significativo na precisão e eficiência cognitiva. Ou seja, a IA não apenas apoiou, mas ampliou a capacidade de raciocínio e tomada de decisão.
Isso mostra que o impacto da IA na cognição não é unívoco: tudo depende da forma como a usamos. A IA pode tanto atrofiar quanto expandir nossas habilidades. Esse é o equilíbrio entre esforço humano e colaboração com máquinas que talvez seja o grande desafio da nossa geração de aprendizes.
Fontes usadas aqui:
- Nicolelis, Miguel. "Os efeitos irreversíveis no cérebro pelo uso da IA". Veja. https://veja.abril.com.br/coluna/veja-gente/os-efeitos-irreversiveis-no-cerebro-pelo-uso-da-ia-por-miguel-nicolelis/
- MIT Media Lab. Estudo sobre atividade cerebral e uso de ChatGPT. Resumo via Time Magazine: https://time.com/7295195/ai-chatgpt-google-learning-school/
- MDPI. Revisão: "AI Tools in Society and Their Cognitive Impact"
- Nature Machine Intelligence. Estudo sobre semelhança entre IA e cognição humana
- ArXiv. Calculating Cognitive Augmentation: A Case Study. https://arxiv.org/abs/2209.06677
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