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Fabrícia Diniz
Fabrícia Diniz

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Microagressões em empresas de tecnologia

É cada vez mais comum ver empresas de tecnologia querendo contratar mais mulheres e se esforçando (às vezes não tanto) para criar ambientes inclusivos. A realidade é que essa não é uma construção fácil e várias atitudes danosas podem passar despercebidas. Hoje eu quero falar especificamente sobre microagressões.

Antigamente era mais fácil identificar agressões no ambiente de trabalho: eram gritos, um tapa na bunda, diminuição das capacidades das mulheres, etc. Hoje em dia as agressões estão cada vez mais sutis à medida que as mais graves vão sendo combatidas mas o sentimento que as motiva ainda permanece.

As microagressões podem se passar por erros honestos, pois é perfeitamente possível, por exemplo, que uma pessoa não leia uma mensagem e acabe passando por cima do trabalho de uma colega (especialmente nesses tempos remotos que vivemos). Porém, essa ação pode ser motivada por essa pessoa inconscientemente perceber a colega como tendo "menos valor". Se você questioná-la, ela provavelmente vai dizer que não viu a mensagem mesmo, não foi intencional. Para a pessoa que é passada por cima fica aquele sentimento de "será que isso aconteceu mesmo? Será que eu tô enxergando coisa onde não tem?"

O grande ponto de observação é se a pessoa tem as mesmas atitudes com colegas homens e mulheres. Apesar de importante critério de "desempate" isso pode não ser fácil de perceber, as diferenças de comunicação podem acontecer em ambientes privados, por exemplo. Além disso, para as pessoas que realizam as microagressões a sua própria culpa não é tão clara. O "me desculpe se você se sentiu ofendida" é um sinal de que a pessoa não percebe o problema em suas ações e padrão de pensamento e dificilmente tomará alguma ação para melhorar (ou ela nunca aprendeu a se desculpar).

Agora, o mais importante é: como se lida com uma pessoa que está cometendo uma microagressão se ela não percebe o seu próprio viés mental? Do meu ponto de vista, é preciso que a empresa tome uma ação e não a pessoa que foi vítima. A pessoa na maioria das vezes já não enxerga o seu viés, de forma que é muito fácil apenas descartar as reclamações recebidas. Cobrar que a pessoa que já está se sentindo mal resolva a situação apenas a submete a mais uma agressão.

Sinceramente, enquanto eu escrevo isso eu consigo visualizar as desculpas sendo dadas e o sentimento de "eu preciso pisar em cascas de ovos perto dessas mulheres mimimizentas". Eu tenho ciência de que essa é uma mudança que raramente pode ser imposta se a pessoa não enxergar valor nela. E passar o valor dessa mudança talvez seja o grande X da questão.

Normalmente, pessoas do lado mais privilegiado do espectro

  1. não percebem seus privilégios;
  2. nunca precisaram se preocupar com as suas ações estarem sendo danosas a outras pessoas.

Vamos de exemplo, inspirado no livro Rápido e Devagar do Daniel Kahneman: em uma reunião de tomada de decisão, inconscientemente as pessoas tendem a concordar com quem deu a sua opinião primeiro e quem fala mais "alto", com mais convicção. Essa pessoa normalmente não se preocupa que as pessoas estarem acatando o que ela fala o tempo todo representa um silenciamento da colega mulher que fala de forma mais tímida e nunca tem as ideias acatadas. Pessoas assim costumam refletir pouco sobre si mesmas e sobre seus atos, tendendo a depositar a culpa na ação de outras pessoas, não conseguindo ter empatia pela colega que não é ouvida.

Se esse último parágrafo te incomodou pela generalização, faça um exercício: veja se você consegue anotar pelo menos 3 privilégios que você usufrua no seu dia a dia. Você consegue identificar momentos em que você está sendo privilegiado em detrimento de alguma outra pessoa e você combate isso na vida real e não só na sua cabeça? Viver usufruindo de privilégios é bem mais fácil do que ter a consciência dos momentos em que eles existem. Apenas ter consciência é muito mais fácil do que realmente tomar alguma atitude para equalizar a situação.

Eu, Fabrícia, ainda enxergo uma barreira a mais. Atualmente as mulheres constituem cerca de 25% dos profissionais de TI no Brasil. Uma porcentagem menor ainda ocupa cargos de liderança. Ou seja, uma mulher tem uma chance enorme de ter um líder homem e esse líder precisa estar ciente de privilégios, vieses inconscientes e microagressões para evitar que o discurso de inclusão seja um discurso vazio só para a empresa sair bem na mídia.

Considerando o baixo percentual de pessoas de minorias em geral nesses cargos, eu vejo as lideranças tendo um grande trabalho de aprendizagem e reflexão sobre seus próprios privilégios e a maneira como as suas atitudes podem agravar uma microagressão sofrida, mesmo que de forma não intencional, por falta de empatia com aqueles historicamente menos privilegiados.

A conclusão que eu posso tirar é: se a empresa possui o valor de inclusão de diversidade, todas as pessoas que trabalham nela precisam ser bastiãs desse valor, reconhecendo inclusive ações sutis que o contrariam. Uma boa saída seria promover periodicamente cursos obrigatórios de inclusão que saíssem do básico e entrassem nesses temas mais "espinhosos" e sutis. Para as lideranças, reforço extra no trabalho de empatia. Se a pessoa não enxerga nenhuma vantagem nesse tipo de ação de combate, já começou errado, volte 5 casas.

Eu espero que esse texto possa trazer alguma reflexão sobre a temática e como sempre estou aberta à continuar a discussão nos comentários. A internet também está cheia de outros recursos para ajudar nessa jornada.

Top comments (2)

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Henrique Lobo Weissmann (Kico)

Muitos anos atrás fiz uma pesquisa que terminou sendo meu TCC sobre assédio moral em fábricas de software.
Talvez este conteúdo que gerei na época agregue algo aqui: devkico.itexto.com.br/?cat=63

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Henrique Lobo Weissmann (Kico)

Este seu texto é muito importante: obrigado!