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Júlia Kastrup
Júlia Kastrup

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Um texto grande demais que deveria ser sobre terapia e pythonbrasil e lt, mas acabou sendo sobre trabalho e sobre mim

"eu poderia escrever um post inteiro sobre como ir à python brasil e apresentar uma lightning talk mudaram totalmente o rumo que eu tava tomando para além dos limites profissionais."

Esse foi o tweet que me inspirou a, de fato, escrever um post inteiro sobre isso. Relendo, vi que fui injusta, pois a própria decisão de ida e, sobretudo, a de apresentar uma lightning talk foram resultado de outras construções, como ter começado a terapia.

A verdade é que é certo que os dias 24 a 28 de outubro foram um marco: eu sinto agora uma energia que eu não sentia há muito tempo. E quando falo 'muito tempo', falo de mais de ano.

Há dez meses, troquei um emprego que eu gostava muito, com um produto que eu adorava e pessoas com quem eu amava trabalhar por outro trabalho: um estágio - aos 27 anos - em Desenvolvimento. Fiz isso com bastante medo e, apesar de não ter me arrependido nem por um segundo, esses últimos meses foram aterrorizantes.

Pela primeira vez, eu estava trabalhando principalmente com desenvolvimento, tendo que lidar diariamente com a frustração. Não é um sentimento fácil. Some a isso uma autoestima bem complicada desde sempre. Eu tava no extremo inferior do vale da autoestima. Eu pensei em desistir muitas vezes.

Tenho a sorte de trabalhar com pessoas incríveis que sempre fazem questão de me colocar para cima, não só com palavras, mas realmente acreditando em mim. Sou apaixonada pelo meu trabalho e pelas pessoas com quem eu tenho o prazer de dividir o dia, mas parece que o buraco era mais embaixo. São mais de 20 anos no rolê da autoestima cagada e isso não dá pra mudar só de fora para dentro, né?

Ouvi muitas vezes que era síndrome do impostor, mas, embora eu saiba que essa é uma resposta comum das vítimas da real síndrome do impostor, eu sabia que não era. Eu estava, sim, enfrentando o meu maior desafio profissional do ponto de vista intelectual - e não tava evoluindo tão bem quanto eu gostaria. "Não é sindrome do impostor se você realmente não sabe." Vi essa frase meio óbvia em um tweet hoje e me identifiquei bastante.

Eu até conseguia ver alguns pontos bons no meu trabalho, sabia que eu era importante, comprometida e conseguia desafogar o time, mas isso não me impedia de ter crises, em algumas épocas, diárias. A importância que eu dou ao meu trabalho faz com que uma insatisfação profissional afete todos os outros campos da minha vida.

Foi há pouco mais de dois meses que, em uma retrospectiva do time, a coisa começou a mudar. Na dinâmica de check-in, enquanto todo mundo demonstrou que estava em ascenção, eu disse, com toda a convicção, que me via regredindo. Eu sentia como se eu estivesse desaprendendo o pouco que eu tinha aprendido. Decidimos fazer uma rodada de reuniões de feedback e aí, junto com o acompanhamento terapêutico, comecei um processo de guinada lenta, mas significativa.


Pouco tempo depois, eu tomei coragem de compartilhar com meus colegas algumas das coisas que eu vinha lendo sobre pair programming e, embora eu não tenha curtido a experiência de "palestrar", fiquei muito feliz ao sentir a melhora nas dinâmicas de pair programming da minha equipe. Foi então que pensei em apresentar uma versão nano dessa conversa no espaço de lightning talks (LT) da python brasil de 2019. Parece bobo dizer que subir num palco durante três minutos causou uma mudança significativa, mas, bem, aconteceu.

(e aqui talvez caiba um parágrafo para explicar as lightning talks para um possível leitor que ainda não conheça. As LTs são palestras curtíssimas, com inscrição na hora, por qualquer participante do evento, sobre um tema qualquer. Qualquer. É sério. Eu vi gente dançando, fazendo repente, cantando e até imitando o barulho de saxofone com as mãos como instrumento. Também já vi a Milena jogando luz à questão do óleo que vem destruindo o litoral nordestino, sem a devida atuação do governo e sem a devida cobertura da mídia tradicional. Três minutos de uma mensagem extremamente importante, emocionante e necessária. E sim, também fala-se bastante de tecnologia nas lightning talks.)

Três minutos. Era menos tempo do que os cinco que eu tinha imaginado que seriam quando cogitei me inscrever pras LT. O primeiro ensaio tinha durado 4 minutos e 27 segundos, e eu ainda achava que tava muito corrido. Mesmo assim, preparei os slides para que, caso viesse a coragem, eu estivesse pronta. Então me inscrevi. Fui chamada rápido demais para dar tempo de desistir.

Tive sorte que a luz do palco não me permitia olhar direito para a plateia, mas sei que era uma sala com muita, muita gente. Eu sinceramente nem sei quantas pessoas, mas provavelmente mais de cem, ou mais de duzentas. Ou mais de trezentas. Amigos, conhecidos e muitos desconhecidos. Eu não sabia qual desses grupos me deixaria mais nervosa se eu pudesse vê-los. Foi tudo tão rápido que eu nem sei o que eu senti. Achei que tinha falado merda uma hora, mas eu não tinha tempo para me explicar então segui. Isso é difícil porque eu sou uma pessoa que me explica bastante. Também não pedi desculpas, e isso também é bem difícil para mim hehehe

Pouquíssimo tempo depois, eu já estava de volta à plateia. O evento seguiu.


Eu não tinha percebido o quanto tudo aquilo tinha me afetado até voltar pra casa. Até ir trabalhar. Até ter energia, muita energia. Ter, de novo, vontade de fazer coisas. Voltei na segunda e, na terça, já tinha uma reunião marcada para tirar um evento do papel. No trabalho, aconteceram algumas coisas que, na semana anterior, teriam me deixado de cama, chorando, com um sorvete sabor fossa do lado e uma carta de pedido de demissão do outro. Por mais esquisito que parecesse para mim, dessa vez eu não me abalei.

E aí que hoje, essa quinta-feira, veio uma realização banal, mas, de novo, surpreendente para mim: eu percebi, de forma estranhamente satisfatória, que eu fui e sou agente de mudança positiva entre os que me rodeiam. Parece besta, mas só eu sei o tamanho da importância disso para mim.

Tá tudo fluindo como se tivessem trocado uma lâmpada que tava piscando, sabe? É uma sensação calma, de fluxo desimpedido, sem euforia, com seus altos e baixos até, mas plena. Não sei até quando dura, mas eu não quero que acabe.

Esse ano, pela primeira vez, eu falei que eu me odiava. Mais de uma vez. Me odiava em todos os aspectos. Hoje, eu não sinto mais isso. E isso é muito importante para mim :)

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