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Wagner Souto
Wagner Souto

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Umas reflexões sobre "conteúdo"

Gosto de escrever. Sei que só preciso começar. Já ouvi por aí que tenho um bom storytelling. Já contei histórias cabeludas sobre meu curto tempo entregando drogas madrugada adentro na cidade em que vivo hoje, por esquinas pelas quais ainda passo.
Acho que o tempo das pessoas é valioso, acho que meu tempo é valioso e até concordo que ele é dinheiro, se bem gerenciado. Vira dinheiro, vira conhecimento, vira desenvolvimento pessoal, vira valores. Ser lido por alguém é um grande privilégio hoje. Quantas newsletters você tem na sua caixa de entrada que faz meses que não abre?

Já comentei por aqui sobre o hábito de correr. Hoje tá chovendo, então to aqui escrevendo. Também já comentei aqui que uso muito papel pra escrever - bullet journal é meu principal método de organização. Lembro de já ter anotado nele que deveria “voltar a escrever humanidades” - sim, nesses termos. Talvez eu esteja fazendo isso agora. Talvez minha versão careta do Kerouac esteja dando seus sinais.
Pois bem, o hábito de correr tem sido acompanhado por outro hábito, mais firme e bem estabelecido anteriormente que é o de ouvir podcasts. Talvez eu tenha começado essa escrita com essa intenção como pano de fundo, por ter alguma dificuldade em pensar no que escrever.

Quando questionado “mas por que tu quer programar?” - na maioria das vezes por meus alunos de yoga - eu dizia que “queria escrever algo que as pessoas aproveitassem”. Hoje eu acho essa frase tonta, muito tonta. Na época, minha ideia era mesmo a “contravenção”. Tendo vindo da eletrônica, eu flertava com todo tipo de malware, e isso era o que me estimulava a estudar: dar a curva por onde ninguém está olhando. Nessa onda devo ter lido umas 3 vezes o “Social Engineering” de Michael Erbschloe, e até estraguei um celular tentando mudar o SO por esporte.

Hoje eu considero que APIs combinadas a interfaces bonitas, trazendo informações úteis para as pessoas pode ser considerado “escrever algo que as pessoas aproveitem”. You can say I’ve settled, and it’s not a lie.

Mas tem coisas que ainda me saltam aos olhos de forma única. Tem coisas que doesn’t settle pra mim. Essa parte é bem difícil de colocar pra fora (mas vamo lá, Kerouac). Curtir a ‘geekness’ da tecnologia, buscar entender como as coisas funcionam é incrível. É estimulante, é o que me trouxe de volta, como também já comentei antes: os fóruns e a comunidade disposta a auxiliar me abriram esse mundo novamente. Mas algo em mim sempre tenta ver o que está no outro lado de tudo.

Quando digo “me trouxe de volta”, é sobre outra coisa que já comentei, que é o fato de eu ter ido para um mundo “de humanas” saindo da minha profissão como técnico em eletrônica. Não foi uma surpresa. Como bom millenial, eu fui atrás de um sonho “arco-íris” que eu tinha criado com 15 anos. A eletrônica me deu chance de financiar esse sonho de levar o yoga pra vida das pessoas. Encurtando a história: esse sonho não te sustenta, ao menos não me sustentou. Eu não tinha herança pra abrir um estúdio, não me uni a seitas ou linhagens que financiariam um espaço pra dar aulas, o que eu tinha eram academias e centros terapêuticos pra atuar. Foi bom, ao longo de 10 anos eu fiz pequenas contribuições para momentos pontuais da vida de pessoas que cruzaram meu caminho (e o valor disso vai seguir comigo).

A meditação - o fundamento de qualquer prática yogue - é sobre lidar com a dualidade. O que aprendi lá não consigo jogar fora. Essa coisa “holística” de ver, ou tentar ver o todo, é uma abordagem que não te abandona. Coisas diametralmente opostas, dentro de um mesmo construto conceitual tem valor suficiente pra me chamar atenção.

Para mim é importante contribuir com o desenvolvimento tecnológico, tanto quanto é importante contribuir para questioná-lo. Eu sei que não estou sozinho nisso. Rapidamente empilhei leituras e figuras marcantes que dissertavam sobre nosso frenesi tecnológico. Pessoas de áreas distintas, de Dados, da Matemática, de Ciências políticas e sociais, de games e obviamente, de desenvolvimento web, também.

Bom, se o tempo das pessoas é precioso, e tem muitas newsletters na caixa de entrada esperando leitura ou lixeira, onde eu quero chegar?

Você - que é velho o suficiente - não tem a impressão de estar cercado por geradores de lero lero quando rola a linha do tempo?

Pra quem não conheceu, o Fabuloso Gerador de lero lero é uma página que fez sucesso no início dos anos 2000, onde você solicitava um texto, dava até um número de frases e ele gerava “um lero lero” pra você. Houve até notícia de publicação em revista científica de conteúdo criado pelo Fabuloso.

Eu tenho uma certa dificuldade em aceitar me tornar um gerador de lero lero em nome de social selling index, resultados de busca e conceitos semelhantes. Aqui vou mencionar um excelente episódio do que eu considero o melhor podcast de tecnologia da atualidade: o Tecnocracia. O episódio se chama: “A infernal vida em que todos precisam ser “influencers”, e ele dá um panorama histórico do conceito de influencer, além de elucidar muito a situação que vivemos aqui.

Você vai, eventualmente ver aqui nesse perfil algo como “5 dicas sobre vagas | carreira | onde praticar X coisa” ? Vai sim. Mas saiba que farei isso pois não sou uma máquina qeu vai ter ago relevante para postar na frequência que a rede diz ser ideal. Eu sou um dev “de humanas”, tenho que admitir. Vou fazer isso pelos números, pela forma como a plataforma espera que eu aja. Vou me sentir um pouco ridículo com isso? Vou, sim, mas o jogo é esse e a gente interpreta o personagem que for.

Não falta documentação na internet, não faltam bons vídeos sobre as stacks que você procura aprender. Por quê vou eu, pretensiosamente dar dicas ou repetir o que já está escrito por aí acompanhado de slides bonitos de conteúdo raso se eu não acredito nisso?

Outro dia respondi a um colega que o que consigo fazer com prazer é reunir links, fazer uma “curadoria” de coisas que já passei na minha jornada, que li, que ouvi. Assim acho que contribuo. Mas não espere de mim um post com link para 200 repositórios - que você não vai abrir depois de salvar - para aprender tal stack gratuitamente. Posso, também, trazer pra cá essas “brisas” que me passsam pela cabeça sendo uma pessoa de tecnologia que ganha a vida com isso - ou tenta - mas também procura manter uma visão ampla, gosta de aprender e ainda acredita numa tecnologia voltada para as pessoas.

Com visão ampla não quero dizer que tenho medo da Skynet ou sou um doido apocalíptico. Também não sou um boddhisatva buscando, em tecnologia, um caminho com um coração. A gente trabalha pra pessoas que mascaram em mensagens amigáveis as novas normas e formas de pontuação do trabalho intermediado pelo aplicativo que construímos. Não dá pra viajar na maionese, e se seguir nesse caminho, os coach tubarão que tão transformando Gen Z em Enterpreneur vão nos levar junto, também.

Eu acredito que vamos encontrar formas de usarmos as tecnologias sem nos sentirmos tão usados por elas. Falando nisso, e para concluir esse extenso raciocínio / desabafo, trago link de uma série de mais um podcast brasileiro, do Chico Felitti. Ela se chama “De saída”, e começa com uma entrevista com a famosa e sumida Jout-jout. Ela fez muito sucesso no youtube, mas também se deu conta rapidamente do rumo que as coisas estavam tomando, em termos de redes sociais. Essa série levei umas 2 corridas e algumas pias de louça pra terminar, mas o último e mais longo episódio é imperdível. Com a participação de André Alves, psicanalista e pesquisador, que integra o Float Vibes, ouvimos os nomes de uma série de sintomas / acontecimentos que são comuns e para os quais nós não damos a real medida do efeito em nossas vidas.

O negócio é sair da internet? O negócio é só postar lero lero? O negócio, eu acho, é a gente conversar sobre essas coisas e se importar de forma legítima, considerando como tudo acontece tão rápido. Como pessoas que ajudam a construir essa esfera, é imprescindível que a gente participe dessas conversas. Precisamos discutir o uso saudável - se é que isso ainda existe - das tecnologias que não vão sair do nosso cotidiano e - devemos admitir - nos facilitam tanto a vida.

Obrigado pela atenção até aqui. Se sentir que vale a pena, escute os conteúdos que recomendei, e me comunique se o fizer, ficarei contente em saber.

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