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Yuri Ximenes Martins
Yuri Ximenes Martins

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Sobre a validação da pesquisa, Qualis Capes e as grandes empresas de editoração: um desabafo

Introdução

Nos últimos anos dediquei boa parte da minha vida e de minha saúde para o desenvolvimento de pesquisa nas áreas de Física e Matemática. No entanto, sinto que, depois de bastante cansado, minha dedicação não valeu tanto a pena.

Acredito que grande parte da minha frustração se deva ao processo de validação da Ciência como é adotado no Brasil e no mundo. No presente artigo, apresento algumas reflexões e alguns pontos de descontentamento.

Não sou nenhum grande pesquisador e, portanto, minha pequena opinião não possui peso algum. No entanto, depois de me distanciar um pouco do meio acadêmico e poder ver a situação de forma mais panorâmica, não consigo deixar de levantar meus questionamentos.

Qualis, Scimago e segregação científica

Caso não saibam, ao se desenvolver uma pesquisa, o processo de "validação" pelo meio acadêmico se dá pela publicação desta, no formato de artigos científicos, em revistas científicas consideradas "bem avaliadas".

Aqui no Brasil, o critério de avaliação é normalmente baseado em uma nota dada pela Capes (Qualis Capes - veja aqui) à cada revista. Fora do Brasil utiliza-se outras classificações, como a Scimago (veja aqui).

Assim, no Brasil, para que sua pesquisa seja considerada validada, ela deve ter sido publicada em revistas com boa nota Qualis Capes. Essa nota é levada em consideração em processos seletivos de docentes em universidades públicas, bem como em sua progressão depois de concursados. Ela também é levada em consideração por agências de fomento, que liberam recursos financeiros para que novas pesquisas sejam realizadas, o que inclui, por exemplo, bolsas de pesquisa.

Fato é que muitas revistas consideradas muito boas pela Scimago não estão listadas no Qualis Capes, o que significa que publicar nelas não trará tanto impacto e valorização de seu trabalho mediante agências de fomento aqui no Brasil. Isso induz uma segregação que força com que trabalhos sejam publicados majoritariamente em revistas pré-definidas.

As revistas são catalogadas na Qualis por demanda: se há bastante gente publicando em uma revista não listada, em uma revisão futura eles podem acrescentá-la. Note, no entanto, que para que novas revistas sejam incluídas, é necessário que um grupo de pessoas se disponha a "remar contra a maré", publicando trabalhos em revistas não listadas, o que lhes confere o risco de terem um trabalho não validado.

Existem revistas de cunho geral e revistas de cunho específico. Revistas gerais aceitam a submissão de trabalhos de diversas áreas dentro de uma dada disciplina. Revistas específicas são mais focadas em determinadas áreas. Grande parte das revistas gerais consideradas boas pela Scimago estão listadas no Qualis. A discrepância maior se dá quando se fala de revistas especializadas.

Deve-se notar que revistas de cunho geral tendem a ser bem mais concorridas que revisas especializadas. Afinal, aceitam trabalho de diversas áreas.

Considere, agora a seguinte situação. Um grupo de pesquisa emerge no Brasil em uma área ainda não consolidada. Naturalmente, os primeiros trabalhos não são tão fortes, uma vez que o grupo ainda está em seu início. A escolha natural de revistas para submeter seus trabalhos são revistas especializadas, as quais, infelizmente, estão fora do Qualis. Isso significa que, das duas uma:

  1. o grupo tenta remar contra a maré, publicando seus trabalhos em boas revistas especializadas fora do Qualis, torcendo para que em uma próxima revisão as revistas naturais de seu meio sejam incluídas;
  2. o grupo publica seus trabalhos em revistas gerais, menos qualificadas, mas listadas no Qualis.

Compare a situação com um grupo de pesquisa em uma área já consolidada. A conclusão certamente será a de que há uma maior chance de que este sobreviva ao longos dos anos.

Retrato minha situação pessoal. Minha pesquisa se concentra em temas ligados à processos de abstração, com foco na área de Teoria das Categorias. Existem poucas pessoas que trabalham na área no Brasil (e no mundo, se comparado com outras áreas da Matemática). Consequentemente, existem poucas revistas listadas no Qualis que sejam especializadas no assunto. Publicar sobre o tema em revistas boas, de cunho geral, é bastante difícil, pois se está concorrendo diretamente com áreas mais "visadas".

Em minha experiência pessoal, tive bastante dificuldade de alocar meus trabalhos em boas revistas dentro do Qualis. Alguns foram publicados em revistas especializadas consideradas boas pelo Qualis, mas em áreas correlatas. Por conta disso, precisei modificar o trabalho direcionando-o para outra área. Outros foram publicados em revistas gerais, considerados razoáveis pelo Qualis. O restante, depois de diversas manobras, acabou ficando como pré-print.

Springer, Elsevier, Wiley e direitos de divulgação

Outro ponto a ser levantado é que as revistas tipicamente considerados "de qualidade" estão concentrados nas mãos de grandes empresas de editoração, como Springer e Elsevier.

Nós, pesquisadores, escrevemos artigos científicos e os submetemos para as revistas, isto é, para as empresas. As revistas (isto é, as empresas) recebem os trabalhos, os distribuem para pesquisadores cadastrados (considerados "revisores") e chamados de reviewers (juízes, em tradução livre), os quais irão dizer se o trabalho é digno de ser publicado ali ou não.

Durante o processo de publicação, transfere-se o direito de distribuição da versão final de seu trabalho à empresa, de modo que ela pode vender seu acesso a outros pesquisadores e instituições de ensino.

Você deve estar pensando:

  • poxa, mas então um pesquisador deve ganhar bastante dinheiro publicando trabalhos. Os revisores também devem ganhar um bom dinheiro por revisar.

Fato é que os pesquisadores e os revisores não recebem nada além de prestígio, enquanto que as empresas faturam com a venda de seus trabalhos. Tratam-se de empresas multi-bilionárias: em 2020, Elsevier, Springer e Wiley tiveram faturamentos de $3,79 bi, $2,03 bi e $0,97 bi, respectivamente (veja aqui, aqui e aqui).

Na verdade, a situação piora.

Gold Open Access

Durante muitos tempo, antes da consolidação da internet, os principais as revistas científicas eram assinadas especialmente por bibliotecas. Com o avanço da internet e a popularização de uma facilidade de acesso à informação, o fato das publicações em revistas científicas serem acessíveis somente à assinantes levantou sérios questionamentos.

Note que as empresas faturam justamente com o acesso à informação. Se após aceitos os trabalhos ficassem disponíveis para quem quisesse vê-los, a fonte de lucro se esgotaria. Pois as empresas tiveram uma grande ideia:

  • oferecer ao autor do trabalho a possibilidade de pagar um valor (extremamente alto) para que, depois de publicado, seu artigo fique disponível a todos.

Certamente o pesquisador vai querer que outras pessoas tenham acesso a seus trabalhos, o que faz que busque recursos em agências de fomento à pesquisa. As agências passam, então, financiar a disponibilização de pesquisas que elas mesmas já custearam antes.

Sim, os pesquisadores cedem o direito sobre seus trabalhos e pagam para que esse conhecimento seja acessível a todos.

Me pergunto, seriamente, se existe uma lógica por de trás desse processo.

Revistas Predatórias

Normalmente o processo de publicação de um trabalho, desde a etapa de submissão até seu aceite e divulgação na página da revista, leva alguns meses ou anos (a depender da revista). Sim, o pesquisador faz sua pesquisa, paga (os órgãos de fomento de sua pesquisa pagam - e caro) para que, caso seja aceito, seu trabalho fique disponível a todos, e ainda precisa esperar vários meses (não raro alguns anos) para que um desfecho seja dado.

De olho nessa demora e no dinheiro envolvido, muitas empresas decidiram criar revistas "fantoches", com um processo de revisão mal feito (ou mesmo sem revisão, em alguns casos), nas quais o trabalho é aceito e publicado dentro de poucos dias. Tais empresas coletam indevidamente o email de pesquisadores em diversas plataformas da internet e disparam emails sucessivos oferecendo publicações rápidas. O preço? Alto, é claro.

Pela prática que empregam, tais revistas são consideras "predatórias" (veja aqui). Uma tentativa de tentar identificá-las é através dos critérios de Bell. Para uma lista atualizada das revistas que se enquadram em tais critérios, veja aqui.

Green Open Access

Existem, no entanto, revistas que, verdadeiramente, remam contra a maré. Normalmente ligadas à alguma instituição de ensino, fazem um processo de revisão criterioso e não cobram nada por isso. O problema? Bem, poucas pessoas lutam contra a maré. Isso significa que poucas pessoas publicam em tais revistas, o que por sua vez implica que elas normalmente não estejam listadas no Qualis. E a história toda continua...

Fim

Decidi não compactuar mais com esse comércio. É uma questão ideológica. Eu havia submetido alguns trabalhos para revistas conhecidas. Dois foram aceitos. Depois de pensar, decidi não publicá-los nelas. E assim pretendo continuar. Caso julgue que um trabalho valha uma publicação, o submeterei para revistas verdadeiramente Open Access, cunho verdadeiro intuito é a validação e a distribuição de conhecimento.

Julguem-me todos, mas nessa não caio mais.

Até mais,

Yuri.

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