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Anderson Contreira
Anderson Contreira

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Por que o plano de carreira virou exceção, e como isso afeta a entrada de novos profissionais no mercado

O mercado de TI passou por transformações profundas nos últimos anos. Uma das mais evidentes é a dificuldade crescente que profissionais em início de carreira têm enfrentado para conseguir sua primeira oportunidade. Isso não acontece de forma isolada; existe um conjunto de fatores que explica por que as empresas estão mais resistentes em contratar e desenvolver novos talentos.

A permanência nas empresas mudou

Durante muito tempo era comum que pessoas construíssem grande parte da sua trajetória profissional em um único lugar. Hoje, essa realidade mudou completamente. Profissionais permanecem cada vez menos tempo em uma empresa; existe uma tendência dos profissionais buscarem uma nova oportunidade em até três anos; entre os mais jovens esse período costuma não chegar a um ano.

Para as empresas, isso cria um dilema. Desenvolver um profissional iniciante demanda investimento, mentoria, direcionamento e a curva de aprendizagem das tecnologias. Muitas vezes, esse investimento só começa a gerar retorno após um ano,e muitas vezes é quando o colaborador já está prestes a sair. Como consequência, a empresa fica mais cautelosa e passa a priorizar contratações de profissionais mais experientes, que entregam impacto imediato.

E existe outro elemento importante: o salário. No mercado de TI é amplamente conhecido que trocar de empresa costuma gerar um ganho financeiro real; muitos conseguem aumentos de 15% a 20%. Já os reajustes internos por reconhecimento dificilmente passam de 8% a 10%. As promoções podem ser um pouco melhores, mas nem sempre a mesma vem da forma esperada. Essa diferença incentiva a busca por oportunidades externas e contribui para o ciclo de alta rotatividade. O resultado é simples: as empresas investem menos porque as pessoas saem rápido, e as pessoas saem rápido porque as empresas investem pouco.

Automação elevou ainda mais a exigência para quem está começando

Tarefas que antes eram delegadas a profissionais em início de carreira hoje podem ser automatizadas por ferramentas de IA, plataformas low-code e soluções que aceleram o desenvolvimento. Com isso, as empresas passaram a focar em perfis mais completos, plenos e seniors capazes de entregar autonomia desde o primeiro dia.

O efeito final é uma barreira real de entrada para quem está começando. Um ciclo que restringe oportunidades e diminui a renovação natural do mercado.

Dentro das empresas, o problema continua: falta estrutura de crescimento

Mesmo quando olhamos para organizações que possuem plano de carreira, os problemas persistem.

Algumas empresas simplesmente não têm estrutura alguma. Outras até possuem algo no papel, mas executam de forma confusa ou pouco transparente. Pouquíssimas realmente fazem esse processo funcionar como deveria.

Ao longo da minha trajetória, vivenciei três contextos onde o plano de carreira existia formalmente. No entanto, um deles era extremamente complexo de interpretar. Ferramentas como 9-Box, por exemplo, eram utilizadas sem clareza nos critérios. Isso tornava o processo cansativo, frustrante e inconsistente. Ainda assim, houve reconhecimento financeiro, mas a promoção exigia muito mais do que parecia razoável.

Essa falta de clareza se agrava quando a empresa não possui metodologias de acompanhamento estruturadas, como:

1:1 periódicos
Avaliações 360°
Modelos como 9-Box
Frameworks claros de competência
Feedback contínuo e rastreável

Sem isso, o profissional fica no escuro. Sem direção, sem mapa, sem entender o que precisa evoluir e sem confiança de que seu esforço vai gerar crescimento.

O impacto humano — e a barreira invisível que desencoraja talentos

Muitos profissionais com potencial acabam desistindo antes mesmo de começarem sua jornada. A barreira de entrada se tornou tão alta que vagas que deveriam ser de formação exigem experiência de um ou dois anos, algo que simplesmente não faz sentido para alguém tentando iniciar a carreira.

Essa régua elevada, combinada com falta de orientação e processos internos frágeis, gera um ambiente onde muita gente só quer uma oportunidade, mas se vê presa em um ciclo de “falta experiência, mas precisa de experiência para conseguir experiência”.

Sem alternativas claras, muitos acabam migrando para outras áreas por puro esgotamento.

Ainda assim, investir em novos talentos continua sendo estratégico

Apesar de todo o cenário acima, existe uma verdade inegável: as empresas que desejam longevidade precisam continuamente formar novos profissionais.

• Pessoas que estão começando absorvem conhecimento muito rápido
• Mentoria cria cultura, fortalece times e garante sucessão
• Equipes com níveis diferentes de experiência são mais saudáveis
• Talentos iniciantes renovam ideias, energia e visão
• Sem novos profissionais, cria-se um risco real de “apagão de talentos” no futuro

Manter uma proporção saudável de profissionais iniciantes não deveria ser visto como custo, mas como estratégia de continuidade.

E agora?

Não existe solução simples para esse tema. Ele envolve empresas, educação, políticas de mercado e mentalidade coletiva. Mas existe um ponto de partida: reconhecer o problema.

Empresas precisam repensar sua estratégia de desenvolvimento. Profissionais precisam aprender a identificar ambientes saudáveis. E o mercado como um todo precisa equilibrar tecnologia, eficiência e pessoas.

Se nenhuma mudança acontecer agora, no futuro a preocupação não será falta de frameworks, ferramentas ou IA. Será falta de gente preparada para construir o que vem pela frente.

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