Por Juliano Moreno
QA Specialist | Engenharia de Plataforma
Todo mundo já entendeu (ou fingiu que entendeu) que qualidade é responsabilidade de todos. Que não se testa só no fim. Que automação é essencial. Que QA não é fase, é fluxo.
Mas a pergunta segue atual:
Se a teoria é tão clara, por que na prática nada muda?
Squads continuam terceirizando a qualidade para o QA. Desenvolvedores continuam empurrando código sem cobertura. PMs continuam priorizando velocidade e entregando dívida. E o QA continua sendo chamado no fim com um singelo: “Pode validar pra gente?”
A cultura da qualidade continua sendo só discurso.
A maior barreira não é técnica. É mentalidade preguiçosa. E falta de coragem.
O que falta não é ferramenta. É compromisso.
Não é mais pipeline que vai salvar. É mudança de comportamento.
As empresas dizem que qualidade é prioridade — mas mantêm o QA isolado.
Os desenvolvedores dizem que testam — mas deixam 80% da cobertura para o QA.
Os PMs dizem que confiam no time — mas não envolvem QA na concepção.
E os próprios QAs, muitas vezes, esperam ser chamados ao invés de provocar a mudança.
A verdade é simples (e desconfortável):
Enquanto o QA for visto como o "garantidor da entrega", a engenharia vai continuar errando com confiança.
Três comportamentos que ainda travam a evolução
1. QA como fiscal de código pronto
Se você chama o QA depois que tudo foi entregue, você não quer qualidade.
Você quer alguém para limpar a bagunça.
2. Desenvolvedor como entregador de feature
Código sem teste, sem rollback, sem contrato, sem rastreabilidade.
Mas o commit está lá: "finalizado com sucesso".
3. PM como despachante de backlog
"Entrega primeiro, depois a gente vê se está bom".
A experiência do cliente que lute.
O que cada papel precisa encarar de frente
Desenvolvedores
Se você acha que testar é trabalho do QA, você não é engenheiro.
Você é um montador de código que torce para dar certo.
Se seu código não tem cobertura, não está pronto. Ponto.
Tech Leads
Se você não exige testes, não prioriza observabilidade e não garante arquitetura testável, está liderando a squad rumo ao caos silencioso.
A responsabilidade pela falha que só aparece em produção é sua.
Não adianta terceirizar para o QA.
Product Managers / POs
Se sua régua de sucesso é só entrega no prazo, você está entregando errado.
Feature com bug não é entrega.
É custo, retrabalho e perda de confiança disfarçados de valor.
QAs
Se você ainda está esperando ser acionado para "validar", você está atrasado.
Se você não domina ferramentas, automação, arquitetura de testes, CI/CD e análise de risco, sua relevância está em contagem regressiva.
Você não está aqui para validar.
Está aqui para construir qualidade junto — desde o começo.
Precisamos mesmo de um QA Coach?
O conceito de QA Coach pode ser valioso em contextos onde a cultura de qualidade ainda está em estágios iniciais. No entanto, é importante refletir: se os Engenheiros de Qualidade e QA Managers conseguem atuar em seu potencial máximo, fomentando a cultura e as práticas desde a concepção, o papel de um QA Coach pode se integrar naturalmente às suas responsabilidades. Talvez a questão não seja criar uma nova função, mas sim empoderar e exigir mais das que já existem. O que realmente precisamos é de mais coragem para aplicar o que já sabemos.
A estrutura certa já existe — mas precisa ser ocupada com seriedade
Engenheiro de qualidade estratégico
Traduz a política de qualidade em decisões técnicas concretas.
Não executa testes. Ele provoca, estrutura e garante que o time entregue confiabilidade.
QA Lead / Manager
Define a estratégia, governa as práticas e mede o impacto real da qualidade.
Se limita a acompanhar bug por squad? Está subutilizado.
A real transformação só começa quando todo mundo para de se esconder atrás do QA
- Desenvolvedor que não testa é retrabalho programado.
- PM que ignora QA no discovery está priorizando falha.
- Tech Lead que não cobra qualidade técnica está só gerenciando entrega, não liderando.
- QA que não desafia o time está se contentando com o papel de filtro.
A liderança sênior é o pilar da qualidade
A cultura de qualidade não brota do chão. Ela é semeada e cultivada pela liderança. Se diretores, VPs e CTOs não respiram qualidade, não a cobram e não a recompensam, todo o esforço de base será em vão. É papel da alta gestão:
- Definir a qualidade como prioridade estratégica e inegociável.
- Investir em treinamento e capacitação para elevar a régua técnica de toda a engenharia.
- Ajustar os sistemas de incentivo: Recompense times pela qualidade e estabilidade, não apenas pela velocidade de entrega bruta. Erros caros em produção devem gerar reflexão e aprendizado, não apenas correção pontual.
- Quebrar silos: Incentive a colaboração e a responsabilidade compartilhada, deixando claro que a qualidade é uma métrica de sucesso de todo o produto, não de um único time ou indivíduo.
Mudar dói, mas o custo da não-qualidade dói mais
Achar que "velocidade" é entregar qualquer coisa rápido é uma ilusão que custa caro. Um bug em produção não é só um incômodo; é prejuízo direto:
- Retrabalho: O tempo gasto para corrigir bugs pós-lançamento é muito maior do que preveni-los no início.
- Perda de receita: Clientes frustrados migram para a concorrência.
- Dano à marca: A reputação da sua empresa é abalada.
- Custo operacional: Incidentes geram horas extras, equipes de plantão, e podem até levar a multas ou problemas de conformidade.
Encare a qualidade como um investimento estratégico, não um custo. Cada hora investida em prevenção é uma economia de dias (ou semanas!) de dor de cabeça e prejuízo futuro.
Conclusão: Quem tem coragem de construir qualidade?
O QA não vai acabar. Mas quem não evoluir, vai.
A squad que ainda trata o QA como etapa final já perdeu. Só não percebeu.
A pergunta não é “quem testa”.
A pergunta é: quem tem coragem de garantir que a qualidade está sendo construída todos os dias — desde o primeiro commit?
E, mais importante: quem tem a coragem de ser a voz da qualidade, mesmo quando ela é impopular ou desafia o status quo?
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